vendredi 27 mars 2009

Em um corpo
Algum corpo, talvez
Houvesse uma infinitude consciente e exata
Do âmago perdido no instante em que faz-se o nascimento
Quem foi que disse que já não nascemos sabendo?


Em uma alma
Alguma alma, talvez
A importância merecida jamais foi capaz
De se revelar na forma devida
Jamais adquiriu sua paz
Quando se manteve calada
Quando obteve receio e manteve-se escondida.

Em um sentimento
Algum sentimento, talvez
Resultasse das cinzas de momentos corrosivos

Se tornasse lembrança clara daquilo que foi arrancado sem o menor pudor
Fosse palavras escorridas nos corredores da vida
Fosse resultado de instantes delicados
Tais que geram tamanho torpor
Que devem ser sempre tratados
Com devida atenção, com necessitado amor.

Em um coração
Algum coração, talvez
Houvesse jorrando muita escuridão
Houvesse clamando por correspondência
Quem sabe em alguma alma, quem sabe em algum sentimento
Não haja a cura para o trauma do coração?
Porque quando as coisas se permitem mútuas
Nenhuma barreira destrói a essência.
Mas quem sou eu para dizer
O que deveria ou não haver
Dentro de um coração?
Se o meu próprio
É súbita imensidão traduzida e esparramada em pranto.
É que esse desejo incontrolável de descrever cada essência, cada instante, cada sentimento ainda não identificado me domina completamente.
É chama que insiste em queimar caso não seja libertada, caso não consiga espaço para se estender.
O meu maior desejo é ser capaz de distinguir momentos, dando a eles características próprias.
Preciso ter consciência de tudo que sinto, ao menos pensando. Nem sempre as palavras são necessidades natas. Certas vezes apenas necessito saber que há algo mais do que simples matéria. Há vida, há magia. Há indiscrição.
Há muito mais além da opacidade. Há algo além do material e imaterial.
Há algo além, muito além de nós.
E se não chegamos nem ao menos perto de reconhecer quem somos, o além disso, pelo menos no agora, está tão distante quanto a sobriedade está distante da loucura.
E a loucura é dádiva, que nem todos merecem. A loucura só é merecida por quem sabe desfrutá-la de forma devida. A loucura é única, é raridade, escassez, profunda.
A loucura é a maneira mais leve de se viver. É o jeito mais sincero de ser. É a forma mais graciosa de se movimentar. A loucura justifica os desejos mais latejantes e borbulhantes, as vontades mais urgentes e sufocantes. Se é assim, sou louca a todo momento. Mas não sei até quando a loucura vai me cobrir, me justificar.
Será que alguma coisa ainda resta
Alguma gota, algum pingo que talvez pudesse ser
A conseqüência dessa festa
Que os homens fazem do mundo
Tanta bebida
Tanta comida
Tanto prazer
Tanta satisfação
Não valeu a pena, garanto que não
Pois se em tudo isso
A humanidade não conseguiu se redimir
Não vai ser agora, no fim de tudo
Que conseguirão partir em paz.
Em todo lugar tem guerra
Em todo lugar tem ódio
Será possível que ninguém mais enxerga
Que a solução nunca foi gerar mais desordem?

Pelos céus, por deus, por qualquer crença que seja
Ninguém respeita mais nada
Então, de que adianta se curvar diante de maiores poderes
Freqüentar purgatórios, igrejas
Se nem os próprios poderes são reconhecidos?
Não faz sentido, não faz o menor sentido.
Viver assim, nessa inércia infinita
Ficar desse jeito, acreditar em outros
Mas não crer em si próprio
Que mundo é esse?
De tantas vantagens, tantos interesses
Que o interesse principal que devia ser buscado por todos
Evapora num movimentar de ondas
Evapora numa oportunidade insensata
De fazer do planeta, de fazer do abrigo
Um motivo de desistência, uma justificativa para os indesejados gritos.
Fraca. Fraca. Fraca! – pulsa e sussurra na minha mente a voz dentro de mim. Será eu parte dessa realidade?
Ou será engano tudo que ouço emergido de dentro de mim?
Não posso negar a verdade das coisas, não posso negar a verdade de mim. Mas a verdade é edificada por quem? Eu queria ser capaz de criar minha própria verdade.

Não sou forte o suficiente, é isso.
Não consigo me manter bem nem satisfeita por muito tempo, nunca consegui.

Eu que tanto julgo o ruir do mundo, estou assistindo de camarote o ruir de mim.

Minha alma tece pensamentos que latejam incessantemente e incansavelmente no mais profundo do que eu sou. E é aí que eu chego ao meu profundo, só o desespero me leva até lá. E é aí que eu chego perto de me conhecer, de saber o que me preenche de verdade.
Ora, parece tão óbvio que o que me preenche de verdade é a minha pessoa.
Mas em certos momentos descreio totalmente desse óbvio tão exato.
É que simplesmente não existe nenhuma resposta correta tão fácil, tão prática de ser pensada, de ser encontrada. Então acredito que nada seja tão óbvio quanto parece.
Eu não queria estar sentindo isso que nem ao menos sei identificar, só suspeito do que possa ser. E do que eu ando suspeitado, não quero mesmo que seja. Quero fugir disso. Há tempos venho querendo me refugiar do mundo, mas agora eu preciso disso mais do que nunca. E preciso encontrar a saída dentro de mim – e também a entrada para ter acesso a essa saída. [...] Isso não pode acontecer. É proibido, é crime, é contra a lei, é contra tudo. É impossível. Portanto, eu vou parar de sentir isso. Há dias tenho vivido isso e fingido que tal coisa que tanto me incomoda não existe...pelo menos colocar um pouco de sinceridade para fora me melhora um pouco, alivia. E é exatamente isso que eu preciso agora: alívio, e um pouco de paz. Quero tranqüilidade, relaxamento.
Não tenho escrito ultimamente, mas é porque não quero esforçar minha mente para possibilidades que podem me machucar se forem descobertas aqui dentro. É que dentro daqui há tanta coisa ruim que pode me corroer... e me destruir aos poucos.
Eu não estava agüentando, então agora vou evitar esse desespero – esse meu desespero que já me venceu tantas vezes e que é tão resistente.
É como se fosse uma lembrança constante de um relógio dentro da minha mente, que a cada segundo faz questão de me lembrar do que pode estar crescendo aqui.
Tento não pensar, mas isso me cerca de maneira que nem meus olhos enxergam algum horizonte alternativo para tudo isso.
Daqui a pouco não vou nem ao menos saber o que move o meu coração. Antes ele estava vazio, e estava bem assim. Mas agora, depois de preenchido, vai ser difícil precisar arrancar de vez tudo que cisma em vagar nele e alimenta-lo a cada dia mais.
Talvez eu esteja enlouquecendo. Mas todos são loucos, mesmo. E isso até agora têm me consolado. Na verdade não sei de nada no momento.
Me encontro mais incerta do que o vôo de uma borboleta – elas sempre tão rápidas, imprevisíveis, devastadoras, se expandem com sutileza.
É mentira, eu não me encontro. Não me encontro nunca. Quando foi que me encontrei? E se eu me encontrar, o que acontece? Acho que só na morte talvez eu me encontre. Só sei que pela vida toda tenho me seguido louca e decididamente.