Faça-me o favor de se retirar de mim, pára de me perseguir em tudo que eu sou – porque eu vou sendo (esse fluxo é incontrolável e irreprimível)...e a cada segundo, a cada transpiração, a cada surgir de pensamento, a cada ato humano, a cada reação psicológica, a cada emoção estimulada, a cada sentir-se viva eu me sinto impregnada de tudo que vivemos, de tudo que ainda resta de você em mim.
Então eu sinto a necessidade premente de selecionar toda essa “impureza” e varrer pro canto: pra além do que eu sou a cada dia, pra longe, pra fora do meu alcance, pro nada – porque eu quero que isso se equipare ao nada, se perca, se desintegre como uma partícula que sofre mutações, transformando-se em novo elemento (sua radioatividade já me contaminou demasiadamente, ou a minha, não sei ao certo – estão tão misturadas que eu me perdi em você e guardo uns vestígios seus que talvez lhe façam alguma falta). E talvez esse tenha sido o nosso maior erro, o erro originário: permitimos perdemo-nos na nossa intersecção não só identificatória, mas no mais profundo da nossa humanidade, no cerne de toda paixão e no mais intenso de todo amor. E nesse exato momento e nos anteriores e nos próximos eu me mantenho imersa nesse refúgio que antes confortava e transbordava de plenitude todos os meus sinais vitais, mas agora me decepa fatalmente de forma crua e seca e fria.
A verdade é que não sei como proceder pra estabelecer essa cisão inevitável sem cometer um suicídio emocional que me proporcione seqüelas e traumas irreparáveis. A verdade é que já pensei tanto no mar de possibilidades de ações futuras que não suporto mais qualquer esperança de “solução”, porque eu não quero assumir a realidade dolorosa: não há solução. Não há mais caminhos para nós. E as ramificações imperfeitas que nos separam cada vez mais insistem em desaguar em lugares análogos àqueles presentes no nosso passado (o passado, ao menos, é todo nosso) – ou não. Talvez seja só ilusão. Talvez eu esteja enlouquecendo. Talvez minhas divagações tenham me impulsionado a crer nisso tudo (porque enquanto eu escrevo, creio fielmente em cada vírgula expelida).
A minha loucura é por você. O meu amor é todo pra você. O meu desejo vive em função da sua existência. Mas a minha vontade - o meu querer - finalmente sintonizou-se com a atual necessidade: te repelir completamente. Mas não é simples (é mesmo como uma cirurgia decisiva, que envolve riscos mortais: para se livrar, por exemplo, de um câncer por vezes perde-se força e adquire-se certa fraqueza). Mas acontece que se eu manter isso dentro de mim, eu sucumbo. Não tenho opção, como já te disse.
Vou arrancar todos os vestígios seus de dentro de mim, não importa o quão prejudicial as conseqüências serão. Nada mais importa. Entre ruir impregnada desse “veneno” e falecer puramente naquilo que eu sou (sem interferências, sem impurezas, sem traços alheios), eu prefiro a segunda opção.
Preciso me livrar desse vício, e assumir isso é considerar a possibilidade da existência das futuras crises de abstinência. Mas é preciso abster-me de você, antes que eu me abstenha de mim mesma e me perca por definitivo nesse abismo sentimental que eu permito que me consuma até a última gota de vitalidade.
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